Quinta-Feira, 18 de Abril de 2024

O valor da liberdade de consciência na arte de julgar – Por Océlio de Morais




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Um dos maiores desafios na arte de julgar, para o juiz que se preocupa com os ideais da Justiça real, é decidir sobre qual a solução prática e eficaz que, de um modo justo, repara a lesão ou previna ameaça a direito.

Esse desafio é substancialmente relevante porque ultrapassa as condicionantes formais do processo e coloca o juiz diante da consciência de bem julgar e julgar de modo justo.

Julgar, aqui, pode ser traduzido na liberdade de consciência ou, ainda, no valor da liberdade de consciência.

É assim porque a liberdade de consciência é um dos sagrados direitos do ser humano, que o conduz à consciência das escolhas; que situa a consciência do agir e do não-agir; que traduz a liberdade de pensar, inata à condição humana.

A liberdade de consciência é um direito natural da pessoa, tão especialmente importante que é tema recorrente na Bíblia Sagrada, quando trata do livre-arbítrio conferido ao homem em aceitar ou não o “espírito novo” que o credencie “à santificação” e “à vida eterna” (Ez. 11, 19 e Rom., 8,22).

Do direito natural ao direito positivo, a liberdade de consciência também é direito universalmente declarado à pessoa (Art. XVIII, Declaração Universal dos Direitos Humanos): “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião (...)” - direito e garantia fundamentais igualmente constitucionalizados (CF/88, art. 5º, VI), tanto que o torna direito personalíssimo inviolável: “É inviolável a liberdade de consciência (...).”

No aspecto do direito natural, a liberdade de consciência é atributo da pessoa. A existência do pensar não existe sem ela. No sentido bíblico, a liberdade de consciência deve existir para, e pela fé, obter a “Justiça esperada” (Gálatas, 5, 13-26).

No âmbito do processo judicial, a liberdade de consciência, na qual o juiz assenta a liberdade de julgar, está no artigo Art. 370 Parágrafo único, e nos artigos 371 e 37, todos do CPC,  normas aplicáveis ao processo do trabalho (art. 769, CLT):

“O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento”; E ainda no Art. 298: Na decisão (...) o juiz motivará seu convencimento de modo claro e preciso.”.

A referência à liberdade de consciência bíblica quanto à “Justiça esperada”, que, para o cristão que tem fé.  é a “vida eterna”, é um parâmetro de escolha e um parâmetro de julgamento do homem diante dele mesmo e diante de Deus:

“Deus dá um coração novo, isto é, uma nova consciência” (Jer. 31, 34-34), para que o homem possa escolher com liberdade de consciência e receber “o Espírito do senhor”, caso em que “haverá a liberdade” (Cor. 3. 17).

Aqui há um paralelo: ou o homem livremente opta pela “nova consciência”, que traduz o verdadeiro sentido da Liberdade (Deus) ou não obterá a “Justiça esperada” traduzida pela “vida eterna”, conforme a mensagem messiânica. Trata-se de uma conduta valorativa da liberdade de consciência - um dilema humano inesgotável, associada ao livre-arbítrio das opções e das ações.

A interpretação teleológica dos artigos  artigos 371 e 298 do CPC (separado o conteúdo finalístico da referência bíblica), também coloca o juiz num paralelo - o paralelo entre a liberdade de consciência e o valor da liberdade de consciência.

A responsabilidade de julgar confere ao juiz o livre convencimento na apreciação da prova, mas, também, lhe impõe o ônus de expor, justificar, fundamentar, motivar o livre convencimento.

Então, surge uma questão: Como podem ser traduzidos o livre convencimento para julgar e o dever de motivar a decisão?

No primeiro caso, tem-se a liberdade de consciência para julgar, que é (em termos de política judiciária e processual) a denominada independência jurídica para decidir. Nada pode interferir na liberdade de consciência do juiz, sob pena de violação ao princípio do livre convencimento.

No segundo caso, temos aquilo que pode ser denominado de valor da liberdade de consciência, que é (a par de sua natureza ontológica), o sentido axiológico que o juiz pode ter de sua própria consciência, no ato de julgar.

Assim, na arte de julgar, o magistrado naturalmente sempre estará diante da liberdade de consciência e diante do valor da liberdade de consciência para decidir.

Naquela, o juiz é soberano, livremente soberano para pensar e fazer as escolhas quanto  à decisão.  Mas, também, para que a referida decisão (fruto da liberdade de consciência = livre convencimento) reflita a Justiça real, dependerá do valor que o magistrado dará à sua liberdade de consciência.

Em outras palavras: se o magistrado extrapolar negativamente os valores éticos que devem nortear o seu ato de julgar, vendendo ou simulando decisões, isso representará que perdeu a dignidade da própria liberdade de consciência (no sentido filosófico da ética) e que também perdeu a dignidade da toga (no sentido do exercício da magistratura).

Conquanto seja a liberdade de consciência atributo inerente à pessoa, conferindo-lhe o direito das escolhas; de outro lado, ao magistrado, o exercício da liberdade de consciência não está e jamais poderá ser desvinculado do valor ético que deve imprimir à sua liberdade de consciência, pois é desta que emana uma Justiça processual mais segura e um processo mais justo.

É a conjugação dos dois atributos (a liberdade de consciência com o valor ético da liberdade de consciência) que fundamenta o conteúdo finalístico dos artigos 371 e 298 do CPC - princípio do livre convencimento - esteio processual da liberdade de julgar.

E o valor ético que o magistrado venha adotar à sua liberdade de consciência será a vacina contra o desvio no exercício da liberdade de julgar. Se, entretanto, na arte de julgar viciada for a consciência, nela não residirá a liberdade (de consciência para julgar), e contaminadas serão as decisões, gerando, em decorrência, descrédito ao ideário da Justiça.

Em conclusão, o princípio do livre convencimento (típico do nosso sistema processual) se funda no valor que se possa dar à liberdade de consciência, sendo também verdadeiro que a arte de julgar exige valor ético à liberdade de consciência, pois dele é indissociável a Justiça que se pretende real.

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS é escritor, PhD em Direitos Humanos e Doutor em Direito (PUC/SP) 


Autor: Océlio de Morais


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