Segunda-Feira, 13 de Maio de 2024

Boato mata! - Aos jornalistas, cabe a necessidade, de checar e rechecar, tudo e sempre




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Os boatos causam danos e vítimas pelo mundo há séculos. Com o advento da imprensa, o boato divulgado como notícia ganha contorno de verdade, e se potencializa em escala de massa. Em plena era digital, com redes sociais produzindo uma conexão global de praticamente todos com todos, o boato pode causar mais que danos: pode matar!

Foi o que aconteceu com a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, morta a pauladas no último sábado no litoral paulista (Guarujá) por populares, depois que foi confundida com uma suposta sequestradora de crianças para sacrificá-las em rituais satânicos. Sem ter qualquer relação com a suposta criminosa - exceto a infeliz coincidência de guardar alguma semelhança física com um retrato falado (!) divulgado no Facebook -, a jovem dona de casa de 33 anos, casada e mãe de dois filhos, foi cruelmente agredida até à morte.

Além de comovente, a história da vida real (ou da morte real) de Fabiane deve provocar profunda reflexão nas pessoas em geral, mas particularmente nos jornalistas.

Em relação às pessoas em geral, o sinistro evento deve servir de alerta para um fato simples, porém ignorado pela maioria absoluta dos usuários de redes sociais: posts de Facebook (a maior rede social do Brasil, com mais de 60 milhões de usuários) não são necessariamente verdadeiros, tampouco notícias. Facebook não é órgão de imprensa, e as pessoas postam o que querem, sem nenhum compromisso com a verdade, embora muita coisa postada seja, de fato, verdadeira.

Segundo dados da própria rede, o Facebook fechou o ano de 2013 com 1,230 bilhão de usuários no mundo, sendo que os países mais conectados eram Estados Unidos (146,8 milhões), índia (84,9 milhões) e Brasil (61,2 milhões).

Números que revelam que esse é um poderoso mundo virtual, no qual as informações circulam praticamente livres de qualquer intermediação. Porém, o que há de mais vantajoso nessa liberdade também existe, na mesma proporção, em forma de risco: boatos, intencionais ou acidentais, podem causar estragos violentos e instantâneos a reputações de pessoas, empresas e instituições, prejudicar negócios, além de matar, como no caso da Fabiane e de tantas outras pessoas.

Aos jornalistas, especialmente, cabe a reflexão sobre a necessidade, primeiro, de checar e rechecar tudo que provém dessa gigantesca fonte de informação, e, segundo, de entender que por mais impactante e livre que seja, o Facebook não é um órgão de imprensa, e, por esta razão, nem de longe pode ser confundido com o papel da imprensa livre e responsável.

Segundo os autores Cass R. Sunstein e Nicholas DiFonzo, que publicaram excelentes obras literárias sobre o tema, os boatos podem ser entendidos como “afirmações sobre informações não verificadas” (DiFonzo) ou “alegações de fatos que ainda não foram comprovados” (Sunstein). Portanto, o boato é só um indício de notícia, porque perece de confirmação e sustentação, e não notícia em si, porque pode ser falso. (Interessados podem consultar as obras ‘A verdade sobre os boatos’ e ‘O poder dos boatos’, dos respectivos autores).

Podem circular a partir de meras evidências aparentemente lógicas, mas também podem ser produzidos, plantados intencionalmente, a partir das mesmas evidências aparentemente lógicas, ou nem isso. Há especialistas em produzir boatos e disseminá-los, como também há  especialistas em administrar um falso boato que provoca danos a alguém exatamente por seu alcance social. O tema é vasto e consideravelmente complexo, polêmico. Por ora, pontuo apenas que não se deve confundir nenhuma das considerações aqui lançadas - com o simples propósito de refletirmos sobre nossa responsabilidade como cidadãos e como profissionais de comunicação – com nenhum tipo de censura ao Facebook ou qualquer outra. Sou, pessoalmente, um usuário ativo da rede, e penso que ela pode, sim, ser explorada para gerar benefícios ao compartilhar informações de forma livre. Importa também deixar claro que não é o propósito deste artigo ditar regras ou “dar aulas” de atitude ética, moral ou profissional aos jornalistas.

A intenção, registre-se, é apenas e tão somente provocar reflexões: será que temos a criticidade necessária para lidarmos com ferramenta tão poderosa? Sabemos discernir o que é fato de boato na rede, na vida e na própria imprensa? Até que ponto as redes sociais, especialmente o Facebook, assumiram o papel que deveria ser exercido pela imprensa livre e responsável? Creio que estas reflexões deveriam servir não apenas para nosso diletantismo, mas ser exercidas em respeito à memória de Fabiane Maria de Jesus e de seus familiares. Afinal, a barbárie que a matou também nos vitimou a todos, ao menos no sentido de entendermos que estamos tão expostos ao mesmo risco como ela esteve.

 

* KLEBER LIMA é jornalista e Secretário de Comunicação da Prefeitura de Cuiabá


Autor: Kleber Lima


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