S�bado, 12 de Julho de 2025

Músicas versus igualdade




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Dias desses, tendo o rádio como companhia, ouvi a música de trabalho do cantor Amado Batista. Chama-se “Peão de Obra”. A composição tenta retratar a labuta e as agruras passadas por esses profissionais. Foi inevitável a percepção, já que o próprio músico é o compositor, da forma como enxerga as mulheres.        

A partir da terceira estrofe, a canção ofende o gênero feminino e expõe o assédio, senão vejamos: “Eu estava lá na obraUma gata passou Desfilando de carrão Joguei beijos pra ela Mas ela nem olhou Se eu fosse um engenheiroUm granfino com dinheiroEla sim ia me ver Mas sou simples cidadão Pau mandado do patrão Que veio do norte para vencerDói dói dói Dói saberSe eu fosse um empresário E andasse de Ferrari Ela parava pra me ver Dói dói dói Dói saber Mas sou um simples peão Meu carrinho é de mão E não sou nada pra você.”         

É sabido que as músicas são imagens da sociedade, e naturalizam determinadas ações, as repercutindo como naturais. O patriarcalismo é visível na cultura popular, dificultando a importância do tratamento humanizado, livre das temidas discriminações.A figura da mulher como interesseira é um ataque, deixando transparecer que aceitaria ser humilhada através de abusos.    

O cantar é externar que concorda com o que foi dito na canção. Não é comum cantarolar sobre algo que se discorda. É ditado popular: “Quem canta, seus males espanta”. O que dizer, então, sobre cantar a violência, a agressão, o assédio e a discriminação? Em outros tempos cantou-se que “Amélia não tinha a menor vaidadeAmélia que era mulher de verdade.” Passamos pela “lôra burra”, “só as cachorras”, “um tapinha não dói”, dentre outras versões, no mínimo sinistras, que menosprezaram a condição da mulher.         

Agora, após tanta discussão, com direitos conquistados e luta por efetivação, não é possível tratar uma melodia que desenha agressões, como normal. A primeira violência vislumbrada é o assédio, ao afirmar que a “gata” passou de carrão e beijos lhe foram jogados. É a típica cantada, daquelas que de elogio nada tem. Ficou evidente que aquela mulher não desejava esse tipo de abordagem.

Entretanto, assim foi feito. A outra violência enxergada é o tratamento dado à mulher como coisa, objeto que se compra. A figura da mulher como interesseira é um ataque, deixando transparecer que aceitaria ser humilhada através de abusos, caso o ofensor fosse portador de condição financeira privilegiada.        

Até quando teremos que conviver com esses insultos? Seria a pátria de todas as mulheres o dinheiro? Aceitariam, todas, manter relacionamentos amorosos por presentes caros? Fica claro que o autor da canção generalizou e foi patriarcalista com as suas declarações.

A grande preocupação momentânea é extirpar as diferenças, que teimam em existir, mesmo com tanta disseminação por tratamento igual. Se há aceitação de propagandas que fazem da mulher objeto, de piadas de péssimo gosto que as diminuem, ou, se as melodias cantaroladas agridem, o caminho ainda é de muita batalha por dias melhores.     

A música trabalha as nossas emoções, podendo a musicoterapia ser utilizada para tratamento de doenças, inclusive, para amenizar dores físicas. Os sentimentos são tocados pelos sons. A balada entra em contato com o sistema límbico cerebral, em importante região da cabeça, responsável pela emoção e afetividade.

Além de contribuir para a produção de endorfina, acessando o hipocampo, responsável pela memória. Porém, o viés também pode ocorrer. Porquanto, se os estímulos são para músicas tendenciosas à violência, o subconsciente laborará neste sentido.   

É de se ressaltar o respeito ao referido cantor e compositor, que, inclusive, é formador de opinião. O efeito “cliquet” dos direitos humanos veda o regresso. Os retrocessos são prejudiciais às gerações futuras, e só serão sentidos com o tempo.

 

Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública estadual.


Autor: Rosana Leite Antunes de Barros


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