A dor, essa coisa que se sente, mas pouco se entende, habita o imaginário da humanidade desde que os homens decidiram registrar seus eventos.
Ocupa mais a atenção humana que o prazer, sendo a fuga da dor mais decisiva no cálculo das decisões humanas do que a busca do prazer.
Entretanto, por ser algo que cada um sente em si, as dores são sentidas com intensidades diferentes, quando não por coisas distintas e sob aspectos diversos, não havendo assim uma dor, mas inúmeras dores, o que faz com que muitas vezes a dor de um seja indiferente ao outro, ou supérflua, ou tola, ou mesmo indigna, ou ainda fingida. E poucas dores doem tanto quanto a indiferença ou o desprezo às nossas dores.
Eis porque de pouca valia é reclamar das dores próprias em praça pública, reivindicando reparações ou direito, pois dores todos têm, e cada um acha que sua dor é mais dolorida que as demais, e que merece algum tipo de tratamento especial.
Se alguém reclama da sua dor de ser roubado, outro reclama de nem ter o que ser roubado, outros ainda da dificuldade de roubar.
É claro, sempre se pode realizar algum tipo de cálculo para estabelecer alguma hierarquia entre as dores, elencando prioridades, por exemplo, quem apenas quebrou o pé tem menos prioridade do que aquele que recebeu um tiro e teve perfurado órgãos no atendimento médico, o que pode parecer correto quando não se sente alguma dor, mas para quem está sofrendo com a dor do pé quebrado, com certeza não achará correta essa arbitrariedade.
O fato é que não obteremos um acordo nem sobre as dores físicas, qual seria mais ou menos dolorida, quanto mais a respeito das dores da alma (é pior ser corno ou viúvo?), e tentar reparar as dores, via de regra, causa outras.
Pior que a dor é o lamento do sofrimento, que mais que a empatia, visa um apelo à piedade ou a imposição de algum tipo de reparação coletiva pela dor pessoal. As dores não nos unem, nos separam.
A fuga da dor e a busca da felicidade são atividades eminentemente pessoais, ainda que sempre se viva com os demais.
Os povos mais amadurecidos politicamente não visam acabar com as dores sociais ou garantir uma suposta felicidade coletiva impossível de ser obtida; enfrentar a dor é parte do crescimento pessoal e a felicidade é produto do esforço individual.
O que se deve buscar é que as pessoas tenham meios de amenizar suas dores, e não colocar obstáculos na busca da felicidade de cada um.
Não são tanto as dores que sofremos que devem estar em pauta na discussão, mas as dores que causamos; assim como não é tanto a felicidade de todos que deve ser buscada, mas o término da infelicidade comum.
*Roberto de Barros Freire é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Autor: Roberto de Barros Freire