As últimas revelações do nebuloso e escandaloso caso de corrupção envolvendo a empresa Ideia Digital, e o programa Cidade Digital, evidenciam a participação do deputado Valtenir Pereira (PSB). Se, antes, pairava alguma dúvida, agora não paira mais.
A matéria do jornalista Anselmo Carvalho, doDiário de Cuiabá, desmascarou de vez o deputado. Um dia antes, ele emitiu uma nota negando tudo, inclusive dizendo que nem conhecia a empresa Ideia Digital.
Mentiu de forma descarada. Não só conhecia como a empresa pagou material de sua campanha, o que configura “caixa dois”. Além, é claro, do crime de corrupção, uma vez que esse dinheiro repassado às empresas foi desviado do programa Cidade Digital.
Uma das empresas que recebeu dinheiro da Ideia Digital, a AS&M Publicidade e Propaganda, do publicitário Lúcio Sorje, bem orientada por seu advogado, admitiu que o material de campanha de Valtenir foi pago pela empresa denunciada.
A outra, a Casarão Vídeo, foi no mesmo caminho errado do nobre deputado, e negou que o dinheiro recebido da Ideia Digital fosse para quitar dívidas de Valtenir. Porém, não conseguiu explicar por que uma empresa com sede em Salvador escolheria uma empresa da distante Cuiabá para fazer um documentário.
Incorreu no mesmo erro, ou melhor, na mesma mentira a Gráfica Print. Por que uma empresa do Nordeste faria material gráfico por aqui (só para pagar frete?), e quais foram estes materiais, cadê a cópia do documentário, do vídeo e da propaganda? As referidas empresas estão correndo atrás, agora, para fazer uma montagem às pressas, só para “inglês ver”?
O proprietário da empresa Casarão abusou da nossa inteligência: “Por casualidade, isto ocorreu no mesmo período em que estávamos fazendo a campanha do Valtenir”, disse ele. Dá para acreditar nisso? Nem o proprietário da empresa Casarão, nem o da Gráfica Print, souberam detalhar quais foram os serviços.
A Ideia Digital, coincidentemente, ganhou várias licitações no Ministério da Ciência e Tecnologia, que, coincidentemente, era comandado pelo PSB, que, coincidentemente, é o partido do deputado Valtenir Pereira, que, coincidentemente, destinou várias emendas para o programa Cidade Digital - e contratou três empresas para atuar na sua campanha, que, coincidentemente, prestavam serviços à Ideia Digital.
É muita coincidência para o meu gosto.
Valtenir, depois da denúncia, se escondeu e só se manifestou nesta quinta-feira, cinco dias depois. Obviamente, neste tempo, esteve junto com seus advogados e assessores tentando achar uma “justificativa plausível”.
Quem é inocente não se esconde e não precisa nem de meia hora para se manifestar. A nota oficial distribuída por ele foi ridícula. A entrevista coletiva à imprensa, então, nem se fala: o parlamentar insistiu na mentira de que não conhece a empresa Ideia Digital, usou de novo a tese furada de que tudo é armação política para atingir o governador pernambucano Eduardo Campos, que deve ser candidato a presidente.
E, pasmem leitores: Valtenir tenta se proteger no vergonhoso foro privilegiado - uma aberração que toda sociedade já condenou.
Para mim, não restam dúvidas do envolvimento do deputado Valtenir neste esquema de corrupção. Como se diz no bom “cuiabanês”: “É batão na zorba”.
O CQC, programa da rede Bandeirantes, talvez premonitoriamente, classificou o Valtenir Pereira de “caçulinha do Maluf”, numa alusão ao deputado federal e ex-governador São Paulo, Paulo Salim Maluf, que ostenta o título de “maior corrupto da história do Brasil”.
A dúvida agora é se o deputado mato-grossense vai ser julgado nos rigores da lei, conforme foram julgados os mensaleiros, e cassado, como foi o senador Démostenes Torres.
O episódio envolvendo Valtenir, aliás, merece outra reflexão. Se a evidência de “caixa dois” está configurada, eu pergunto: Cadê o barulhento MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral)?
Ou seria MCCEPA (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral para Alguns)? Cadê o Ministério Público Federal? Cadê a “vigilante” ONG Moral?
O deputado Valtenir Pereira tem um salário, como Defensor Público, de algo em torno de 16 mil reias líquidos, perto de 210 mil reais por ano. Em sua prestação de contas no T.R.E. (Tribunal Regional Eleitoral), ele declarou ter gasto mais de 800 mil reais, o que corresponde a quatro anos de seu salário, se ele não gastasse nem um centavo nesse período.
Entra na cabeça de alguém, de algum trabalhador, pegar quatro anos de salário e gastar tudo em três meses? A diferença da vida franciscana que Valtenir pregava, inclusive usando até sandálias, para seus gastos, da última campanha eleitoral, é abismal.
Imagine se, no lugar de Valtenir, a Polícia Federal estivesse acusando o deputado José Riva (PSD)... Meu Deus do céu, a ONG Moral estaria aos berros, pedindo seu afastamento imediato. O corajoso MCCE estaria fazendo vigília na porta do TRE, bradando à imprensa sua indignação...
Palanqueiros, de olho em 2014, convocariam uma coletiva para pedir celeridade no processo e o MPF entraria de sola.
Mas, creiam, a lei só tem eficácia quando é para todos... Quando é apenas para alguns, não é para ninguém.
Às vezes tenho a impressão que, a exemplo do agente James Bond, o 007, que tem licença para matar, algumas pessoas têm licença para roubar, devido ao tratamento diferenciado que se dá a alguns poucos privilegiados por parte da imprensa, do Ministério Público e segmentos da sociedade.
Agora que ficou claro o envolvimento de Valtenir, volto a dizer: o Congresso deve, imediatamente, abrir um processo de quebra de decoro parlamentar. Condenado, a Defensoria Pública deve demiti-lo, a bem do serviço público. E, a OAB-MT, cassar seu registro de advogado. Afinal, como poderemos admitir, em caso de condenação, que um criminoso seja defensor público ou fique por aí, livremente, advogando?
* RODRIGO RODRIGUES é jornalista e analista político.
Autor: Rodrigo Rodrigues